sexta-feira, 26 de junho de 2009

UMA BREVE HISTÓRIA DO SURF EM SAQUAREMA (PARTE I)




Fui a Saquarema pela primeira vez em 1966, na época eu tinha 9 anos de idade. As lembranças daquela época são bem vagas, mesmo assim tenho na memória um dia muito azul muito bonito em que passando pela praia da vila meu pai me chamou a atenção para uns caras que pegavam onda de pranchão, não tenho a menor idéia de quem eram aquelas pessoas nem de como eram suas pranchas mas, alguém já deslizava nas ondas de Saquarema.

Passei a freqüentar Saquarema mais assiduamente a partir de 1968, nesta época apareceram os primeiros surfistas realmente dedicados, eram uns quatro americanos que chamavam a atenção pelo seu estilo de vida bem diferente, pareciam meio hipes com cabelos loiros e muito compridos calças jeans desbotadas e sempre sem sapatos. Esses caras foram apelidados pelos nativos de “Pão com água”, provavelmente pela vida simples que levavam e pelo comportamento excêntrico para época. Não sei dizer o nível de surf que tinham, mais passei muitas tardes vendo eles surfarem, e me lembro perfeitamente que não surfavam de pranchão usavam bonitas “mini model’s”. Naquele verão de 1968 não apareceu nenhum outro surfista (ao menos que eu saiba). Fica aqui uma pergunta interessante. Como será que esses caras naquela época descobriram Saquarema vindos provavelmente da Califórnia?

Dando seqüência aos acontecimentos, o próximos surfistas a aparecerem no pico foram da galera do Rio de Janeiro. Destaco como os primeiríssimos, provavelmente entre 1968 e 1970, Bocão (talvez o maior entusiasta das ondas de Saquarema), Betão, Paulo Proença, Otávio, Maracá, Carreira, Penho (Penho talvez tenha sido o primeiro) e os irmãos Cartolano Dado e Tavinho sendo que estes últimos foram os primeiros caras a terem casa na praia de Itaúna. Esta foi uma época bem agreste esses caras ficavam em barracas tudo em Saquarema era muito bonito e exótico a vegetação era exuberante a maioria das casas em Itaúna não tinham muros, parecia um grande quintal. Eles andavam “largados” pela cidade num estilo bem soul e eram a atração local pegando ondas na praia da vila já com um surf bem arrojado.

No começo da década de 70 a galera dourada do Rio de Janeiro invadiu de vez a cidade. Saquarema estava na crista da onda, posso lembrar de alguns nomes como: Saba, Daniel Fridmam, Tiça, Rico, Mobral, Ianzinho, Cauli, Fred, Macalé, Zeca Mindinga, Fábio Pacheco, André Pitzali, Coiote, Abacaxi, Cezinha, Broca, Pepe, Ian Robert, Betinho, Urso, Valdemar, Jacaré, Cláudio Mendonça, Mudinho, Wanderbill, Bruxo, Orácio, Granfino, Dão João, Marcos Berenguer, Cacau, Tico, André de Biasi, Peti, alguns até depois viraram celebridade como Evandro Mesquita, Monique Evans, Xuxa e o próprio André de Biasi. Tinha também uns caras casca grossa de Niterói forjados nas ondas de Itacoatiara, como Cláudio Milher, Jiló, Marreco, Jorginho, Homero a galera da vila da qual eu fazia parte que eram: Marcelo Parceria, Marcio, Zé Augusto, Frankilin e Ricardo Americano. É bom lembrar também que nessa época somente dois saquaremenses de nascimento tinham envolvimento com o surf, o Abel de Itaúna exímio surfista em qualquer tipo de onda e o Celmo da vila (que até hoje é uma lenda de Saquarema) um cara muito forte que desafiava qualquer tipo de mar. Esta foi uma época muito louca que culminou com os grandes festivais de Surf numa mistura de muita loucura com surf de ondas grandes em Itaúna que na época era o lugar a ser desafiado. Importante mencionar que esses caras já chegaram a Saquarema com um nível muito elevado de surf, ou seja, não vieram a Saquarema descobrir o Surf e sim trouxeram o Surf definitivamente para Saquarema. Os acontecimentos mais marcantes desta época foram:

Um campeonato em Itaúna só para convidados (lembro que era um tremendo status estar na lista) vencido pelo Betão em ondas gigantes para a época, e se não me engano, com o Paulo Proença e o Bocão nas finais;

O maior e melhor mar que já rolou na Praia da Vila em 21 de abril de 1975, um dia em que o mar começou quebrando com 1,5m e chegou a 3,5m sem vento perfeito. Bocão, Betão, Proença e outros usaram pranchas enormes que tinham trazido do Havaí, em algumas ondas vi Bocão cavar atrás da pedra da vila. Ian Robert pegou os maiores e melhores tubos que apareceram. No finalzinho da tarde uma série enorme varreu todo mundo (menos Bocão) e quebrou praticamente todas as pranchas de quem estava na água só restou o Bocão que pegou uma das maiores do dia já quase no escuro;

Outro fato marcante foi o “Castelo do Wanderbill” o lugar de onde saíram as pranchas mais maneiras da época, pin tail’s mágicas de 6’ 8’’ a 7’4’’. A casa era uma construção que imitava um castelo, daí o apelido. Era muito legal ter aquele quartel general do surf ali na praia da vila, Wanderbill sem dúvida colaborou para aumentar o prestígio da cidade, o primeiro shaper a morar em Saquarema e a fabricar pranchas foi o Penho, depois o Carrera (com suas wings de concave), mais nenhum foi tão relevante ou teve tanto prestígio como Wanderbill, que era um cara de personalidade muito forte um verdadeiro xerife da galera do Rio. Bocão e Betão também moraram uma época em Saquarema fabricando pranchas, inclusive, o Bocão certa vez declarou na Fluir que o tempo em que morou em Saquarema foi mais relevante do que o tempo em que morou no Havaí. Polemicas a parte a verdade é que Saquarema tem onda o ano todo.

Marcou também, ao menos para quem assistiu, o desafio do Celmo a um mar storm. O cara entrou na praia da vila, perdeu a prancha e foi arrastado pela forte ondulação de sudoeste para o meio da praia de Itaúna, passando por trás da pedra da Igreja, quem conhece Saquarema sabe que é uma coisa impressionante até para os big riders de hoje. Somente era possível ver uma cabeça amarela em meio a um turbilhão de espuma, ele acabou sendo resgatado pelo melhor salva-vidas local o Adelmo (uma espécie de Eddie Aikau saquaremense) que entrou com um bote inflável pela barra da lagoa e foi pegar o cara no meio do oceano enfrente a praia de Itaúna. Infelizmente Celmo acabou falecendo algum tempo depois em um incidente cercado de mistérios;

Devemos destacar também como marcante a passagem de alguns gringos que apareceram para checar a consistência do local. Nomes com Hand Harick (que inclusive trouxe a primeira Sting que apareceu no Brasil), Tin Carvalho, Dane kaloha e alguns outros. Mas o que ficou mais tempo em Saquarema foi Gary Linden um sujeito muito simples que fabricava umas pranchas com o bico bem levantado e que foram apelidadas de “sapato árabe”, um cara muito calmo e que caia em mares enormes geralmente sozinho pois naquela época era difícil alguém que o acompanha-se.

Esses acontecimentos fizeram parte do desenvolvimento do Surf no estado do Rio de Janeiro e do Brasil e também do que representava a descoberta de Saquarema como um pico de Surf. Um lugar bom para desafiar a força do oceano, para se pegar ondas grandes e enfrentar grandes correntezas. Este desafio sobre a ótica da cidade e da cultura local era incrível pois por muito tempo Saquarema assistiu a várias pessoas se afogarem em suas águas, o respeito e o medo pelo mar naquela época eram enormes, apenas alguns salva vidas locais como Pindurico, Miguel, Sabará e um pouco depois Adelmo eram capazes de desafiar o oceano. Quando pequeno presenciei várias mortes por afogamento (os farofeiros chegavam em ônibus de excursão entravam no mar e se afogavam, as vezes, dois três ou quatro ao mesmo tempo). Para mim e meus amigos da época o mar era um tabu impressionante, pois ao mesmo tempo em que estávamos loucos por deslizar nas ondas todos a nossa volta não cansavam de ressaltar os perigos do oceano.

Na segunda metade da década de 70 o agito da galera do Rio de Janeiro foi aos poucos diminuindo, o grande folclore em relação ao local foi perdendo força, e o surf foi deixando de ser uma grande “festa” para aos poucos ir se consolidando como esporte, restando como freqüentadores somente aqueles que realmente gostavam de Saquarema e praticavam o surf. Destaco nessa época o começo do interesse da garotada saquaremense de nascimento pelo surf.

Alguns nomes importantes podem ter sido esquecidos, porque, não fiz pesquisa alguma para escrever este texto, veio tudo de minhas lembranças. Outros nomes podem ainda não terem sido mencionados, pois não chegou à hora, serão mencionados numa possível “parte 02”, entretanto, alguns nomes gostaria de mencionar aqui no final, pois são legítimos representantes da força e perfeição e variedade das ondas de Saquarema: Mauro Pacheco (um surf com toda força da família Pacheco), Roberto Valério (exemplo de atleta), Cláudio Rangel (gênio da biquilha), Mica (o local dos locais), Raoni Monteiro (o melhor profissional até agora treinado no pico), Leo Neves e Pedro Henrique (mudaram-se para o pico e consolidaram o surf), Marcos Monteiro e Patrick Reis (big riders absolutos do pico) e Yan Guimarães (a novíssima geração vindo com tudo).
Mario Sergio Xavier

9 comentários:

  1. Muito Bom .
    Obrigado por compartilhar estas fantasticas
    lembrancas .
    Continue escrevendo...

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  2. Saudações ao surfista que melhor representou a praia da vila, mandando bem surfando por muitos anos e por essa viagem ao passado relembrando momentos fantásticos, que só quem viveu sabe.
    Siga escrevendo, surfando e produzindo grandes imagens.
    Márcio(Galera da Vila).

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  3. saquarema, capital nacional do surf sempre

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  4. Mario, super curti o seu texto, vivi grande parte disto. Fui pra Saquá em 75, morava no 1010 da Praia da Vila, a uns tres ou quatro quarteirões do Castelo do Wanderbill. Morei 23 anos lá. Na década seguinte hospedei vários surfistas que viraram ícones, como o Burle, o Eraldo Gueiros, o Fabinho Gouveia. Sou amiga do Burle até hoje. E do Penho, meu brother do coração, do Mica, que vi criança, O Raoni filho do Jacaré também, Maraca, que partiu há pouco, Maurício Galinha, os irmãos Pacheco e sua parafina, o Adelmo que levava minha filha pro colégio, o Celmo, outro irmãozinho porque dona Nazi, mãe dele, é minha mãezinha também, com visitas do Evandro Mesquita - enfim, toda a galera que você citou tão bem. Estou voltando pra lá este ano, pra não sair nunca mais. Muito obrigada pela emoção maravilhosa de reviver no coração os tempos paradisíacos que vivi nesse lugar muito especial.

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  5. oi, tenho uma prancha de surf com dedicaçao especial p/mica jeremia escrito co caneta..fabio pacheco saquarema rio soul surf.. alguem poderia explicar...para mim de quem e....

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  6. Muito legal! Lembrei de muitas das coisas que vc narrou pq tb sou "saquaremense" desde pequena (1967). Obrigada por nos fazer recordar!

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  7. Tudo muito bom mas, por que razão o também lendário Renatinho Little Head, diga-se de passagem grande surfista, nunca é citado???

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  8. Conheci Saquarema na década de 80, eu meu irmão fomos lá pra comprar uma prancha de surf, eu e meu irmão fizemos duas biquilhas de 5,5" com o Cláudio Mendonça.

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